domingo, março 28, 2004

e raiva das pessoas bonitas. muita raiva.

sábado, março 27, 2004

entregue às moscas. coberto de pó. árdua tarefa. sangue, ossos, víceras acostumadas. um calendário sem ritmo. e já se ouviu falar de calendário essa semana. vento, mesmo que na nuca. mas nunca é nada. um dia há de ser. ainda não chegou esse dia. a quem se quer enganar? todos sabemos que os dias esperados nunca chegam. e chegam, mas esses não são realmente esperados. o peito, o motor na barriga, a luzinha que acende de vez em quando em algum lugar da nossa cabeça. nada disso. só sangue, ossos e vísceras acostumadas. e o resto todo pó e moscas.

domingo, março 21, 2004

- Tia Margarida, eu vi uma briba!
- Que legal, Bia. Você viu uma víbora?
- Não tia, eu não vi uma víbora, eu vi uma briba mesmo.

E saiu correndo.


Tem histórias tão verdadeiras que parecem inventadas.

quinta-feira, março 18, 2004

quarta-feira, março 17, 2004

O tal do beijo da saída que ela sempre dá. Com vontade, com gosto, com desprendimento. Nenhum receio diz a ela, Não pode, esse beijo. Os outros não. O tempo inteiro, na sala branca, que ela diz que gosta, e olha curiosa, tudo, tudo ao alcance, na sala, ela sempre recua, se esquiva, pensa, e olha com aquele diabo de olho que não me diz nada e pensa que diz, coça o nariz, se afasta e acha que pronto. E ficamos os dois, fazendo de conta haver outro motivo em estarmos alí que não aquele que ela não permite, inventando assuntos os mais obtusos e frágeis enquanto o tempo passa e se possa recomeçar. Até que uma hora - que não tarda a chegar - ela diz, Eu tenho que ir pra casa, se levanta, me leva até o elevador, me beija e vai.

segunda-feira, março 15, 2004

como era previsto, nada bem hoje. é sempre assim o primeiro dia das coisas. mas cuidei da vida. fui ver um sonho, fazer compra no supermercado à pé, inventei um amigo imaginário e um trabalho novo, emagreci um quilo, acordei mais cedo. Vai passar, eu sei que vai. Uma hora para o tremelique, e ele fica guardado em alguma caixinha, esperando. Sumir não some, mas descansa. E nuncam ouçam, e defendam-se e ataquem se for preciso, quando disserem que estão velhos demais para ter amigos imaginários.

domingo, março 14, 2004

e descobri que eu tenho um botão do choro. E que ele tá quebrado. Emperrou apertado.

sábado, março 13, 2004

ai.

Meu grito é: socorro! e deus.

sexta-feira, março 12, 2004

tudo na vida por um dia de Gurdulu.

domingo, março 07, 2004

Tudo é sopa! Tudo é sopa!

terça-feira, março 02, 2004

Tem alguma coisa nisso. Sei que tem. Alguma beleza, alguma poesia, algum mistério. Ou é a gente que tem, dentro, e que imagina beleza no mundo. É vai ver ele não tem. Vai ver, não há nenhuma beleza - nem a menor importância - em se imaginar como seria a mulher que no dia dois de março de dois mil e quatro arrancou uma folha de seu bloco da TREIDE - Apoio Empresarial Ltda, escreveu a lista da feira e se dirigiu até o supermercado. Que por algum motivo ela resolveu não levar os quatro chuchus e de onde ela é que chama palma de bananas me vez de penca de bananas. E mulher imagino por causa da caligrafia arredondada, feminina. Além de arredondada é firme e o til - ela queria três mamãos - é uma bolinha em cima da letra - será uma gorda? Imagino cabelos pintados de cor estranha, um castanho avermelhado. Fiquei pensando por que a imaginava assim, depois reparei que é meio moda entre as mulheres de meia idade. Outra suposição: ela tinha meia idade. E tinha panelas de alumínio e o fogão não era elétrico. Ou o maço de fósforos serviria para acender cigarros e o bombril - sempre a marca pelo produto - seriam utilizados na limpeza da casa ou na antena da televisão. Não há mais muito o que ver no papel: dois quilos de batata, duas caixas de sabão em pó, dois detergente para louças, não dizem lá muita coisa, todo mundo usa mais ou menos do mesmo jeito. Mas o que me intriga não é nem isso, não é nem quem é ou como será essa mulher. Nem sei o que é, mas alguma coisa no fato de irmos nos deixando nos lugares, os pouquinhos de nós que ficam nas coisas, nas pessoas, e delas em nós, nossos resíduos - Pois se sabe, de tudo fica um pouco. Impossível pensar o mundo sem resíduos, pelo menos pra mim. Uma vez, voltando da faculdade pra casa, parei num cruzamento, o maior do percurso, três sinais, uma chatice, sempre cheio de gente, as mais diferentes querendo as mais diversas coisas. Era noite, não havia ninguém, nem sei porque. Mas havia junto ao semáforo, no meu lado esquerdo, uma pedra. Uma pedra grande, completamente plana em cima, retangular. Compreendi na hora. Não era uma pedra na realidade, era uma cadeira, um banco, um tamborete. Do jeito que estava disposto era claro que servia para que alguém sentasse de modo a olhar na direção dos carros que passavam na rua. Até hoje eu lembro o rosto da idosa que eu sentei lá.