sábado, agosto 30, 2008

escolha
é um sapato no número certo mas que fica apertado.

diadorim
é a minha neblina.

terça-feira, agosto 26, 2008

renúncia
é como ter alfinetes gelados pelo corpo.

desespero
é quando o espaço em branco toma vastidão de país inteiro.

força
é um pouco frágil.

segunda-feira, agosto 25, 2008

Mais tarde, quando acordar, vou encontrar um passarinho cantando baixo em minha janela e será dia vinte e três de dezembro. Terei acabado de sentir o pulmão abrir e o ar tomar conta do corpo pela primeira vez. Estarei inundada de luzes de todas as cores, mas abrirei pelo menos um dos olhos, para observá-las atentamente. Será exatamente oito horas e quarenta minutos e será um bem-te-vi. Ele terá acabado de vir de um ninho com três ovos que fica em cima de um pé de tamarindo. Depois que ele cantar na minha janela, vai ouvir um choro meu, dizendo que acabei de chegar, que sou mulher e farei um dia vinte e sete anos. Então vai voltar e bicar um a um de seus ovos, com ternura e cautela, é assim que fazem os pássaros. Mas eles ainda não estarão prontos. Ela, vai sentar sobre eles e esperar dar quatro horas da tarde. Quando os outros já estiverem chegando para dormir, ela vai sair e procurar pequenos insetos e alguns galhos secos. Porque seus pequenos sairão no outro dia logo cedo. Às dezenove horas ela retornará, ampliará sua casa e armazenará algum alimento. Dormirá levemente com os anjos. No outro dia, às oito e trinta da manhã ela torna a bicar seus ovos. Em dez minutos ouvirá três piados. Depois mais três. Depois vários. Há pelo menos três horas todas as outras aves já estavam nas ruas. Uma janela se abre em frente àquela árvore e uma mulher aparece a procura de um pouco de luz do sol. Tem o rosto abatido e feliz, como o de Maria. Elas se olham e imediatamente uma oferece um peito e a outra, o bico cheio.

Quando eu tinha dez anos adorava subir num pé de tamarindo que tinha em frente a minha casa.

domingo, agosto 24, 2008


O bumerangue gris


O lugar mais frio conhecido está dentro da nebulosa Bumerangue. É a constelação de Centauro, cinco mil anos-luz da Terra.

A nebulosa planetária se forma ao redor enquanto uma brilhante estrela central expele gás nos últimos estágios de sua vida. Com uma temperatura de duzentos e setenta e dois graus negativos, é apenas um grau mais quente que o zero absoluto - o limite gélido de todas as temperaturas.

Mesmo o brilho de fundo de duzentos e setenta graus negativos, do Big Bang, é mais quente do que esta nebulosa. Ela é o único objeto encontrado que possui temperatura mais baixa do que a radiação de fundo.

O formato da Bumerangue parece ter sido criado por um vento terrivelmente veloz, quase quinhentos mil quilômetros por hora, soprando gás ultra-gelado para longe da moribunda estrela central.

É colorida porque ainda é estrela. Ainda que dormente.

sábado, agosto 23, 2008

dança para rezar

espada na mão avanço sob a noite, iluminado
com um sorriso derrubo uma tropa inteira
e o golpe do destino, esse eu sinto, mas não caio.

a água passa e a areia fica no lugar.

sexta-feira, agosto 22, 2008

eram os meus anos mais bonitos. eu era nova. tinha muitos fios de cabelo, macios, vivos. eram os anos em que as minhas carnes quase andavam por si sós, sabiam o prumo que devia se dar para que fossem duras, enxutas, funcionantes. eram aqueles anos que passam mais rapidamente, um pisca, e quando se vê, já avista uma configuração toda diferente em cima do que foi sempre fácil. eu era esquecida e podia ser. e nesses anos, os meus melhores, meus dentes brancos e mãos sempre feitas só procuravam tua casca escorregadia. gastei batom, franzi testa, bati minha carne de tal maneira que agora já nem aceno traz dureza. a pele antes rosa agora sofre, doença de tensão, daquelas que se curam com ácido e recusa. e as pernas, então frias, macilentas, tentam entender em que momento, de tanto correr, desencontraram de si mesmas.

sábado, agosto 16, 2008


"Diz-se a um cego, Estás livre, abre-se-lhe a porta que o separava do mundo, Vai, estás livre, tornamos a dizer-lhe, e ele não vai, ficou ali parado no meio da rua, ele e os outros, estão assustados, não sabem para onde ir, é que não há comparação entre viver num labirinto racional, como é, por definição, um manicómio, e aventurar-se, sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado de uma cidade, onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de mostrar a imagem dos lugares e não os caminhos para lá chegar."

Se proponho-me a pensar a cegueira, vêm-me, paradoxalmente, algumas imagens. A primeira delas é a porta. Sempre uma porta fechada, como se tal os olhos fossem a janela da alma, a porta, uma espécie de janela da casa, ambivalente, pois vê-se de dentro para fora e de fora para dentro. Se perguntarem porque não usar a janela que já existe nas casas, responderia que porque acho que as janelas funcionam mais como ouvidos que como olhos. Sei que o que se diz ter ouvidos são as paredes, mas as minhas paredes apenas encarceram, são mudas, como são cegas as portas e surdas as janelas fechadas. Outro problema importante de considerar janelas como olhos, a meu ver, com o perdão do trocadilho, é a janela não ser passagem. E eu tenho dúvidas se os olhos não são passagens, acho aque são. Os olhos são mais capazes de permitir e bloquear acesso que qualquer outro órgão do nosso corpo. Os olhos oferecem mundos afora, mundos adentro, e são mais ativos que expectadores desses mundos. Olhos não têm parapeitos, olhos têm portais. Olhos são ultrapassáveis com os caminhares, com os calcanhares, ventres, e expectativas que temos ao nos colocarmos de dentro para fora ou de fora para dentro de algum recinto. Se nosso corpo é a nossa morada, nossos olhos são as nossas portas.

A segunda imagem, também cega, é a da porta aberta. Quando fechada, nos impossibilita, e é claro que se seja cego para o que está do outro lado. Mas não é apenas assim. Quando aberta, é a cegueira da profusão, do inúmero, do excesso, do possível. A cegueira do desgaste da decisão, do embate da escolha, da opressão da atitude, da exaustão da liberdade. Uma porta aberta é tão impossível como uma porta fechada. E, mesmo que possamos ter todas as imagens do mundo que miramos, interno ou externo, somos delas tão cegos como se não as víssemos. E isso sabemos, sentimos, sofremos mais que as portas que nos fecham à cara. Uma porta aberta é uma porta fechada.

A outra imagem que me persegue é a dos olhos dessa estátua. Eu gostaria de escrever sobre ela mais poeticamente, talvez um dia tente, mas esse dia não será hoje. Hoje é o dia que a mão está em eterna suspensão, talvez um dia ela acorde, talvez um dia ela beba do cálice, mas hoje ela é apenas o que é, uma suspensão. Hoje é simplesmente o limite frágil entre o que existe ainda e o que vai passar a existir logo depois. E é justamente essa suspensão que me parece a cegueira mesmo, a própria, a não exatamente física, mas a ausência de possibilidade. O que há de diferente entre a imagem dessa estátua e a de qualquer porta aberta ou fechada, é que ela é celebratória de duas formas: o cego que se celebra e a celebração cega. É como um cubo em perspectiva, nunca consigo optar. Mas isso digo de memória, porque hoje ela é apenas um cálice cego suspenso numa mão vazia. Ela já me pareceu que iria acordar justamente quando bebesse, ela já me pareceu que justamente ao acordar, beberia. Hoje ela é uma pedra fria que sugere um brinde. Ela já foi metáfora da minha própria vida e hoje é uma estátua barroca sem nome que mora em cima de um museu. Esta é a imagem da cegueira.
Mirella é apenas um nome.

segunda-feira, agosto 11, 2008

Férias ilesas.

sexta-feira, agosto 08, 2008

Categoria pops

Nunca mais parece triste
Triste eu era agora passou

***

Feliz constelação
Reluz no corpo dela
Alah, meu only you no azul da estrela

segunda-feira, agosto 04, 2008

o silêncio tem uma teima comigo. tem mania de ensinador. vive com uma lição pronta na ponta da língua. mas eu acho que de verdade ele tem é a resignação de ser um sujeito flácido, sem eloquência nem etiqueta.


I'd like to talk
But you know I hate

All ordinary words.



falar é pra alguém melhor que eu.

sexta-feira, agosto 01, 2008

#1
para onde vão os trens, meu pai?