domingo, março 29, 2009

do que aprendi na cozinha

1. Aquilo do que dispomos é, afinal, a melhor proporção e a exata medida.

2. O experimento é a melhor experiência.

3. Confiar na intuição é, sem perceber, saber unir a certeza à incerteza, não gerando uma terceira coisa, mas operando com as duas ao mesmo tempo, dando-lhes igual valor.

4. Tudo depende de tudo e tudo age sobre tudo.

quinta-feira, março 26, 2009

porque as esferas podem girar sobre si mesmas e sobre o círculo que as circunferem, existe dois movimentos na terra, a translação e a rotação. isso nos afeta diretamente, pois um marca os dias, e porque marca os dias, o outro, as estações, e assim, nós, inseridos tangecialmente no mundo, sentimos as semanas e as décadas, e as noites e os outonos.

porque estamos por cima, envolvendo, podemos pensar no mundo como uma bola de malabarista e o universo como um infinito picadeiro, e nossa vida, talvez um bonito espetáculo. os números mudam, alguns nos fazem chorar, outros não dão certo e somos obrigados a refazê-los, mas como a ciência que se sabe exata não tarda muito, às vezes não costuma falhar.

então, se continuarmos sempre com os pés firmes no chão, podemos sentir que a cada dia a terra fez a sua parte, e dentro da gente também nascem sóis, essas esferas amarelas bonitas que nos cegam e chamam. por isso admiro a geografia, por isso vejo mistério em trigonometria, por isso nunca as compreendi.

terça-feira, março 24, 2009

muito cedo. pela segunda vez, mais quatro números. não me é pertimida a recepção:

É coleta?
não, é que tenho uma guia
Pode subir.

ele abre a porta, eu ainda pensava que deveria ter chegado há trinta, ou não ter saído de casa. o andar vazio era um agouro ensurdecedor.

era jovem e tinha os olhos azuis. parecia um colega do curso de francês, Bruno, e eu deveria parecer-lhe a alguém, senão não me olharia em terços.

a urgência opressora do centro da cidade se confundia com um novo de mim, exigindo que eu me fizesse cabisbaixa, que andasse para frente, que lavasse as mãos obsessivamente, a palavra dele erguendo andares na cabeça, eu arremessada ao porão, atrapalhada, asfixiada, molhada, ruidosa, como o centro da cidade em chuva ao meio dia.

Sente-se. Você precisa manter os olhos abertos, fixos e abertos, não dura mais que um toque.

não pude.

Não dói. Você só precisa mantê-los abertos até o final. Vou tocar de leve e você não vai nem sentir.

pisquei. uma lágrima escorreu do olho esquerdo, mas não sei bem porque.

Não se preocupe, só vamos tentar mais uma vez.

lembrei do centro da cidade, das pessoas obstinadas, dos casais nas praças, dos que não questionam seus sonhos, daquela festa africana, do passado distante quando as coisas eram bem mais simples, do ardor em meus olhos que não iria passar até que eu concedesse, de uma vez por todas, aquele toque mínimo e indolor.

de volta à mesa, de caneta em punho, perguntou de onde eu vinha e minha idade. entregou-me escrito:
Olhos calmos, córneas transparentes, pupilas reativas.

domingo, março 22, 2009

na esquina daquela rua veio surgindo
amarelo e branco
, assim meio desbotado
coxo e fatigado, um sorriso franco de
regalos de españa, um vidro de sal,
uma seda de lilases nascidos no outono
um punho fechado, ouro e prata, que
há muito se entrega como esperança.

sexta-feira, março 20, 2009

Se chamava Pacífico e era o menor de todos os oceanos. Tocava dois ou três países e não ligava continentes. Não se destinou a obstinações humanas, ao tráfico obreiro, ao saque e estupro pirata. Tão pequenino; não tinha início nem fim, pois a nenhum lugar levava; era o principal destino dos banhistas. Abria-se para as crianças, para os animais e esperava semanas inteiras a lua vir banhar-se, e, quando a visita se fazia por completo dentro dele, muito alta madrugada, abundavam espumas nas ondas a ponto de encher o céu de bolhas de sal. Na costa de Pacífico costumava-se atribuir a essas bolhas, a manifestação de sua alegria, e dizia-se que quem entrasse no mar morno daquelas noites, dormiria o mais tranquilo dos sonos.

Pacífico, como os animais e as crianças, não tinha um programa. Ia-se e voltava-se, pulsando na areia, como bateria seu coração, se o tivesse. Desviava tempestades, enviava brisas pela manhã e as retinha durante a noite, orgulhoso de sua brincadeira de maresia, tinha apenas o tempo de viver. E, como se comporta o coração das crianças e dos animais, nada o detinha exatamente, apenas a visão daquilo do que mais gostava: o momento maravilhoso em que a lua despontava no céu - e vinha caindo lentamente em sua direção, aumentando sua felicidade em existir tão pequeno, pois tinha certeza, que se medisse um tanto mais, poderia perdê-la de vista.

Um dia a amiga não veio. Pacífico não se desesperou, podia ser que estivesse escondida por detrás das nuvens passageiras, embora pudesse distinguir perfeitamente marte, vênus e umas três estrelas já há muito mortas. Naquela manhã o sol despertou constrangido. Evitava olhar Pacífico que, àquelas alturas, mais parecia um lago. Sem saber, as crianças festejavam a completa inatividade do pequeno oceano. Entravam sem medo onde deveria ser cautela e mistério em qualquer um que fosse autoritário e sombrio. Previam, os pequeninos, que havia sido abolido definitivamente o limite que os separavam do horizonte. Enquanto Pacífico murchava, derramava, as crianças cresciam, a princípio somente as mais corajosas, depois, um bando delas.

A medida em que o tempo passava, a lua não vinha, Pacífico entrava mais na areia solta, matando-se aos poucos para diluir sua tristeza, e as crianças avançavam poderosas, seduzidas como marinheiros. Pacífico resistia e morria com a esperança de que algo se revelasse. Onde antes as crianças brincavam, hoje aquelas mesmas já haviam feito casas, ginásios, escolas, bares e outras crianças que, como mandava a nova tradição do lugar, também avançavam obstinadas o oceano, agora - desconfiava-se - até esquecidas do objetivo que teria impulsionado os primeiros desbravadores. Aparentemente, jamais souberam que naquele pequeno braço de mar a lua costumava desaparecer morna e nunca haviam presenciado uma bolha de sal.

Desde aquela noite a lua jamais voltou. O desparecimento de Pacífico não foi exatamente percebido, pois a cada dia significava uma coisa diferente para os moradores do que antes seria sua costa. Umas vezes era mais espaço para as necessárias construções, outras, aparente solução de problemas náuticos, ampliação de centros de convenções, plantação de arroz, parques, avenidas, contribuições científicas. Sua atitude não foi avaliada, como não se deve avaliar o compotamento dos pequeninos. Foi compreendida com tolerância - e satisfação - por aquele povo que já não se banhava mais em nenhum mar.

Depois que Pacífico desapareceu, processo que por sorte levou muitos anos de resigação - visto que ele jamais exigia nada, preferindo retirar-se a lidar com assaltos violentos a seu espaço, à sua dor e saudade; com a decepção em ver que aquele pequeninos, tão pequenos quanto ele, crescendo não à medida, mas por consequência de seu desaparecimento; e com a dor profunda e sem nome que, se solucionada, inundaria toda aquela nova cidade, bastando apenas que a lua voltasse - alguém mais antigo e mais atento teria percebido que por mais que se entrasse naquele mar, não havia horizonte a chegar. Aquele era um oceano tão pequenino que não ligava nenhum lugar a lugar algum, e era por isso que não se prestava aos ataques, às expedições, aos cruzeiros. Ele existia apenas para receber a lua, de quando em quando, uma vez por mês.

terça-feira, março 17, 2009

Gosto de te imaginar cruzando uma rua, coarando no sol, e, distraído, reconhecer meu vestido verde do dia em que me conheceu. Acredito que iria prender os cabelos enquanto corria pelos traços brancos até o outro lado, eu de costas, olhando vitrines esquecida daquele dia mais abrupto. Então, claro como um cristal, pegaria em minha mão ainda voltada e de um giro, dedo silenciando minha boca palma em meus olhos lábios encostados aos meus ouvidos, diria eu também um fantasma, insistente vestido branco cruzando os carros nas avenidas, o tempo eclipsado de desde, até, diria de uma agulha no peito sangrando todos os dias o silêncio a distância o erro o acaso a saudade. Meus olhos fechariam, seria contramão onde era mão e os carros encenariam um ballet, todos os sinais, antes verdes, depois amarelos, sempre vermelhos tingindo o azul daquele céu mais caótico do Brasil. Meus lábios abririam levemente para cada um dos lados - não um sorriso assim largo como o seu -, minha mão seguraria seu dedo e a palma sentiria o calor dos seus olhos. Se me pedisse, te estenderia o meu tapete.

segunda-feira, março 09, 2009

bichana.

Com os gatos também aprendi muitas coisas, mas a mais valiosa delas é que o outro, por ser, em alguma medida, uma extensão de nós mesmos, é sempre uma ameaça desconcertante. A consequência disso é que todo amor é produto de um longo processo de aceitação e tolerância, sustentado, ora pela disposição, ora pela resignação.

A felicidade é conseguir receber ao final de tudo, um tesouro como os que podemos, sem a menor chance de dúvida, encontrar nas pontas de cada arco-íris.