quarta-feira, março 10, 2010

Quando chegássemos, gostaria de te ler um poema, o Neruda que sei de cor: Para mim és tesouro mais intenso de imensidão/ que o mar e seus racimos/ e és branca, és azul e/ extensa como a terra na vindima./ Nesse território, de teus pés à tua fronte,/ andando, andando, andando, eu passarei a vida.

quarta-feira, março 03, 2010

ou
Amiga,
afinal nos compreendemos.
Já não sofro, já não brilhas
Pau, pedra, caminho.
Um pouco sozinho.


Foi uma segunda-feira. Saiu falante, prometeu voltar dia seguinte. Chegou na quinta como quem vem de viagem longa, trazia dois olhos enormes e brilhantes cravados no rosto queimado de sol. Me pediu uma cadeira, achei que fosse me contar qualquer aventura, mas depois que se acomodou, puxou alguns papeis de uma pequena mala e parecia muito feliz entre eles. Perguntei se queria café, café com leite, chá, alguma coisa, respondeu que sim, café, como quem tem todo o direito de que lhe oferecessem um café depois de tudo o que havia acontecido em sua vida. E senti que era justo que o trabalho de fazer o café fosse meu, ora, parecia tão cansado de coisas absolutamente importantes. Servi sem demora, em uma bandeja, juntamente com uma colherinha e o açucareiro, para não interferir em seu paladar.

Depois, como não soubesse além de que algo extraordinário lhe acontecia, voltei às atividades que me tomaram a segunda, a terça e a quarta-feira. Reguei as plantas, fiz a cama, preguei alguns botões de suas camisas, li um artigo de revista feminina e meu coração de certa forma encheu-se de alguma esperança. Dormi com o abajur aceso fingindo ler enquanto o esperava vir deitar.

Acordei mais cedo, pus a mesa, pão quente, café e queijo novo. Fartou-se como se finalmente recebesse o adequado reconhecimento por seu penoso caminho. Tinha um rosto tranquilo para iniciar o dia e senti que meu trabalho estava cumprido. Saiu como chegou, e eu já nem lembrava que não sabia de onde veio, como também não soube para onde foi. Naquele momento, a paz de suas obrigações bem cumpridas já me tomava corpo e sabia que deveria ficar feliz por ter participado de suas ambições.

terça-feira, março 02, 2010

"Não se tem vinte anos duas vezes."
Vinte e oito também não.

terça-feira, fevereiro 23, 2010

notinhas do 23.

marasmo.

tem gente que se a gente olhar bem falta gente.

depois dos últimos anos adquiri uma lâmpada de emergência.

faz muito tempo que não vejo um navio. não ver navios é como se tirasse a presença da ausência deixando a ausência ainda mais ausente.

vontade não dá e não passa.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

e volto ao silêncio sem fazer qualquer ruído.

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Eu organizo o movimento, eu oriento o carnaval.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

A vida de uma pessoa é semelhante ao momento em que uma mãe observa a filha brincando em um carrossel. De vez em quando ela retorna, a mãe acena, ela acena, e vai, depois retorna, e vai, e assim por diante. A primeira volta a mãe não sabe quanto tempo levará para o carrossel trazer a menina, nem como ela virá, se assustada, se ansiosa, mas depois as duas já sabem exatamente depois de quem irão aparecer e o passeio se torna meio rotineiro. Fazendo a escala, quando você já sabe depois de quem a menina chega, é porque você já está velho e levou algumas porradas. De resto, é esperar que se vá novamente.

sábado, janeiro 30, 2010

Ele tinha uns olhos azuis como os de T.J. Eckleburg. Um dia me disse que minha vida inteira mudaria a cada sete anos, mas não confiei. Achava à época que sete anos era mesmo uma vida e que não haveria com o que me preocupar. Qualquer mudança em sete anos seria pelo menos natural. Mas não é. Sete anos não são nada, absolutamente nada, e aquilo foi uma profecia. Ou uma praga rogada.

Paciência.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Quando cheguei, já passando das nove, ainda havia um resto de meia lua no céu. O muro enegrecido pela chuva, muito maior do que sempre foi, acompanhou-me em solene silêncio, concordando que, apesar de tudo, aquela lua deixava a manhã mais bela.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Não posso ler "voltei", sem completar mentalmente "recife".

domingo, dezembro 13, 2009

Gostaria de ter uma mente sadia e minimamente livre, mas a poesia é impossível na classe operária. Não, pelo menos, quando se é um operário sadio.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Somente uma explicação
exijo: porque insistes em
manter-me impotente sob
tuas imensas asas negras?

sábado, novembro 28, 2009

As duas me olhavam, uma sentada na poltrona gasta pelas unhas de Raul, a outra na cadeira gasta desde a loja, tomávamos café e Hilda me reclamava vinho do Porto. Eu era incapaz de negar-lhe razão, mas em minha casa mal havia um conhaque Dreher que usamos ano passado para adoçar o frio. A outra, que jamais irei lembrar o nome, tinha uma cabeleira anelada, olhos puxados e a cada ano de seu tempo próprio correspondiam dois. É de um vagar que nos incomoda. Esperavam de mim uma explicação, um motivo, uma justificativa. Sinto muito, foi o que pude dizer, sou apenas isso. Percebo Hilda, além de irritada com minha pouca oferta, a decepção que engole, amarga como meu café. Percebo minha outra amiga, lenta e gorda, duas vezes meu passado, demorando para dizer que já sabia. Mereci três baforadas de Hilda antes de dizer que eu era uma idiota e que iria para casa, que, aliás, havia sido por causa de gente como eu que havia perdido o gosto pela rua. A outra riu um riso esticado, pendendo a cabeça para trás - muitas vezes esse gesto, apesar de parecer uma resposta afirmativa, era um jeito vagaroso de dizer sem dizer que a outra pessoa não passava de uma tola -, limitou-se a dizer "êh, êh" e achei que talvez se chamasse Irene. Ouvi duas xícaras tilintando ao mesmo tempo nos píres e quando isso acontecia era a hora de irem embora. Dessa vez não fui deixá-las na porta, disse que fossem, que sabiam o caminho. Hilda partiu na frente prometendo não voltar mais. Irene levou quatro minutos para andar os dois metros que a distanciavam da porta e esqueceu-se de se despedir.

domingo, novembro 08, 2009

partiu ao som de a sunday smile
fiquei ao som de chega de saudade.

terça-feira, novembro 03, 2009

que o dia acabe, que o ano vire, que a terra gire, que o céu escora, que a bala volte, que a sorte jogue, que o corpo padeça, que o plano morra, que o tempo mude, que o inverno esqueça, que o peso devore, que o universo exploda.

quarta-feira, outubro 28, 2009

meu coração não costuma me enganar.

segunda-feira, outubro 26, 2009

entrou em casa meio lua, cabeça alta, cheiro de noite. Disse meia palavra entre-olhos novos, minguou um verso feito felino, encheu-se de mim e partiu.

sexta-feira, outubro 23, 2009

síntese

facão e espada, rum e tabaco.

quinta-feira, outubro 22, 2009

encontrarei
alegria em nome da rainha e folia em nome de reis.

quarta-feira, outubro 21, 2009

gênesis

o ser humano é a própria serpente.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Cremaram os calendários.

sexta-feira, outubro 02, 2009

Corpo é uma porção limitada de matéria.