terça-feira, junho 28, 2016

Há menos de um ano perdi minha família. Ver os seus morrendo aos poucos quando se vive longe da cidade que que te pôs no mundo, onde estão todos os seus afetos - e desafetos - te obriga a entender que qualquer afeto que você tenha na vida é provisório, externo e transferível. De repente você se vê diante da ideia de que os afetos não são, daquela face austera e fria que te encara no espelho, e que você encara de volta às vezes relutante, às vezes reagente, movida por um conhecimento ancestral de que por trás dela, na linha reversa que cruza o horizonte atrás de si, há um um remanso doce e quente como o coração que dizem ter as mães. Os afetos, talvez, na melhor das hipóteses, estejam. Talvez, nem isso. Talvez o afeto esteja mais próximo da fome do que do castanho dos olhos, talvez não nos seja próprio, não os tenhamos, talvez lhes necessitamos, usamos e nos saciamos. Pode até ser que nenhum afeto seja verdadeiro - às vezes você pensa -, no sentido de uma verdade inerente, mas quem sabe te ocorra que uma coisa é certa: nenhum afeto nos define. Somos nós que nos definimos e buscamos comprová-lo em nossos afetos. Eles são nossas moletas, nossos brincos, nossas fivelas de cabelo. Amamos nossos acessórios porque nós dão uma beleza extra, nos permite ser parte reconhecível de um grupo, nos tornamos de repente uma matilha. Ser o único sobrevivente de uma família em uma cidade distante, do afeto, do mar, do entendimento, exige um caminhar telúrico e vertical, e um mergulho profundo nisso de se entender organismo vivente único, que nasceu solitário, que vive limitado ao seu punhado de matéria e ao espaço que é capaz de ocupar no mundo e no tempo. A entender que se cola, se prega, se roça, mas jamais - e isso, quem sabe, seja bem verdade e, se parece triste, é também libertador - é impossível fundir-se aos afetos. Se existe um algo entre duas pessoas, é a resistência.

sexta-feira, junho 10, 2016

Hoje fumei um cigarro para todos os anjos que ainda não nasceram. É um ano terrível para nascer. É um ano terrível para estar vivo.