quarta-feira, janeiro 28, 2004

Les jours tristes

o papel estava no chão. Ela na cama, se retorcia, olhava e virava para o lado, como se o fato de não ver o papel tivesse o poder de, de repente, apagar da memória dela que ela deveria levantar-se para apanhá-lo. Passava o pé com carinho no lençol esticado da cama, como se o dengo do pé no lençol tivesse o poder de, de repente, alongar sua estada debaixo das cobertas. E fechava os olhos e ria. Não era só ela. O dia não deveria amanhecer assim quando se tem, por algum motivo, a obrigação de se levantar. Um dia lindo, cinzento, choroso, porque chuva e choro são mesmo a mesma coisa, dão sono, moleza e destrambelho. Ela olha o papel, fixamente, agora, como se, de repente, ele pudesse ter o poder de levantá-la da cama, sem peso, sem dor, sem volta. Se ela se levanta, eu não vou poder dizer, deixei-a olhando o papel. O que tinha no papel? Será que ele existia mesmo ou era só incômodo? Isso eu também não poderei responder. Sei que ela olhava e ria, olhava, virava e ria.

segunda-feira, janeiro 26, 2004

Sentei na mesa de um bar, comecei a meditar procurando a solução pro futuro da nação e o imposto predial.

sexta-feira, janeiro 23, 2004

Doeu. Ensaiei três dias a conversa, ainda doeu. E ainda desarticulei, gaguejei, coçei o nariz e ri de nervosa. O fato é que eu me apego demais às pessoas. São logo amigas. O carinho é logo verdadeiro demais. Elas fazem parte, muito logo, da minha vida. E quando se resolve ir, dói. Doi de ver o nariz do outro vermelho, ainda que escondido pelos cabelos que caem sobre o rosto por causa da cabeça baixa. Dói de sempre achar que talvez fosse melhor uma outra coisa, mas sempre se acha isso só na hora da dor, pra parar de doer. Ou doer logo tudo de vez.

quarta-feira, janeiro 21, 2004

É uma amizade bonita, o que eu acho que é, e que eu não esperava. Uma pessoa bonita, foi o que ele se tornou, e isso eu esperava, muito. Mas saiu melhor que a encomenda, é até difícil de entender que é mesmo ele. O melhor amigo da minha vida que um dia eu sequer imaginei que pudesse existir, bem debaixo do meu nariz, todos esses anos. E tem dia que eu acordo assim com ele, fã, fã. E ele agora tá lá dormindo na minha cama com a buchecha lambuzada do beijo enorme que eu dei nele de tanta felicidade que eu tive só em pensar que ele existia pra mim. O nome disso é amor.

terça-feira, janeiro 20, 2004

em
dia de chuva os semáforos aumentam imensuravelmente a minha distração. um perigo, eles na rua.

nunca
imaginei que precisão pudesse se tornar um adjetivo tão bonito. pode.

talvez
nunca tire a bunda dessa cadeira. talvez, os sonhos da cabeça.

e
não adianta. eu venho sempre aqui.

domingo, janeiro 18, 2004

Hoje eu encontrei o meu livro do Rouxinol. Claro, ele tinha título, autor, mas à época eu não sabia, até poderia, mas não sabia, e ele era o meu livro do Rouxinol. Não lembro mais qual era a época também, lembro que faz tempo e que não sabia que tinha as coisas que tem, mas não lembro muito bem quando isso acontecia. No entanto, lembro exatamente a felicidade que me trazia.

I - Eu

- Sou.
Eis o enigma.
Pássaro, gente ou cousa, não importa.
No meu caso, o milagre se operou, como no caso de todo milagre, de maneira extraórdinária, pois ora sou ave pequenina ora alguém de alma e corpo, à imagem e semelhança de Deus.
No mundo, todos precisamos, para representar nossos papéis, de um disfarce ou de uma caracterização.
Que quer dizer eu?
A individuaidade metafísica de cada pessoa?
Não me posso explicar. Sou dois em um só. Melhor: dois corpos diferentes para uma só alma verdadeira.
O mistério me envolve, como a túnica de todos os homens.
Sou.
Ora ave, ora alguém, que eu mesmo batizei de Pedro.

segunda-feira, janeiro 12, 2004

O que têm em comum o Piazzolla e o Gaudí é a folia doida que eles fazem dentro da gente.

domingo, janeiro 11, 2004

- Adoro essa música. Mas sabe o que é, adorar?
- Sei. É quando a gente é todo a coisa.

sexta-feira, janeiro 09, 2004

achando tudo muito saco. a vida toda. andei pensando até em comprar um livrinhos desses "seja feliz!" ou então "Veja o quanto você é feliz", mas me lembrei que eu fico é mais puta quando eu leio essa coisas. metade do tédio de hoje é o hino nacional que resolveu morar na minha cabeça e eu acabei parando pra prestar atenção na letra. eras de hino paia, nunca vi, até bolha de sabão tem mais conteúdo. um hino auto-ajuda total. aliás, ô paisinho auto-ajuda. negócio de jeitinho brasileiro, de chorando e cantando, de na cara e na coragem. pior é que o povo acha certíssimo e a melhor coisa, ser fudido e rir, fica uma coisa de heroísmo bonita, eles dizem, e vêem alguma grandeza e dignidade. eu acho é uma doidice. e gosto desse sufixo.

terça-feira, janeiro 06, 2004

Me responde por favor
Pra onde vai o amor
Quando o amor acaba

domingo, janeiro 04, 2004

é besteira. Todo ano o ano acaba.