segunda-feira, novembro 27, 2006

acho que Shakespeare deve ser o redator de Deus

ele escreve e Deus prega a peça

e o mundo é só um grande teatro.

quinta-feira, novembro 23, 2006

E Jorge talvez tenha pensado secretamente: que tola é esta Mirella em crer que à tarde o dia está a salvo. A noite, Mirella, como fera se avizinha.

Cowboy,

hoje não deu pra entender. Teu dia passou sem mística. Sem dragão, sem armadura. Te devo uma garra, santo, eu sei. Te devo uma asa. Domingo percebi que você não é como os outros, tinha até que te perguntar: onde é o seu altar? Por que não tem na casa do Senhor lugar para um cavaleiro corajoso como você?

Eu sei o que você acha, cavaleiro, mas é que aqui, você não lembra?, aqui a gente cala. Nenhum homem tem o que dizer a outro homem. E o mundo é enganador.

Ontem fui comprar pão na padaria em frente a praça. Queria que você visse, Jorge, que beleza é a brincadeira das crianças. Fiquei achando que felicidade mesmo é uma bicicleta. Uma bicicleta e uma bola. E poder não saber de nada sem ser cobrado decisão, postura e destreza. É, melhor, felicidade é poder não saber de nada da vida.

Pois é isso, meu santo, queria só contar como estão as coisas. Vão bem, estranhamente bem. É bom de vez em quando não precisar de você.


até o próximo, que é meu e seu:
Mirella

quarta-feira, novembro 22, 2006

Hilda tem razão. há uma espécie de silêncio que deve ser feito. uma ausência infinita que dura sete cantos.

Tudo é triste. Triste como nós
Vivos ausentes, a cada dia esperando
O imutável presente.
Tudo é triste. Triste como eu
Antiga de carícias
De olhos e lamentos
Lenta no andar, lenta
Irmã
De algum canto de ave
Do silêncio de nave, irmã.


poucas coisas não fazem bem à insônia.

sexta-feira, novembro 17, 2006

o que é a alma, josé?
é o que fica quando a festa acaba?

ou a música verde que canta o Corcovado?
tem nome, a bicha?

beija?
coça?

alma dá bote feito cobra venenosa?
é de vidro e contorna a casa?

o que ela é do quengo?
do motor na barriga?

desse espaço todo em branco
no meio dos peitos dos homens?

foi ela que matou o leiteiro,
ou ele morreu porque ela desapareceu?

ela cabe em alguém?
a alma, josé,

não me parece nada
mais que um belo emaranhado.

segunda-feira, novembro 13, 2006

o mundo é muito grande, Mirella, muito grande. todas as noites antes de dormir, use alguns minutos para lembrar o tamanho que ele tem. transveja a proporção, que se você pensa em infinito, ele cabe no seu pensamento. aí ele fica maior que o mundo. que tudo. você é uma instituição, Mirella, você é o indivíduo, um indivíduo e a coletividade. e você tem sempre qualquer outra opção.

Não adianta, Mirella, o mundo é mesmo cheio de gente chata, um ou outro é que escapa. gente que te suga a alegria, que te descomove a vida, que te aflige, que te usa, parasita e ludibria. tem gente que não dança no mundo, Mirella, gente que nem dançar, dança. o mundo é um estorvo, menina, e a esperança é uma coisa que se escolhe ter. não acredite nos poetas.

e nesse mundo, Mirella, o Vinícius ainda canta aquela música que te apavora, mas você não precisa mais ouvir.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Tinha o velho marujo, de bigode de leão marinho, que nem os de desenho aimado. Tinha uma sereia, escondida na imaginação de uma tripulação, que manipulava com voz de deusa. Tinha uma ilha desconhecida a encontrar. Uma praia a desembarcar. Uma mulher de branco que contorna todas as noites a areia. Tinha um menino, moreninho, em cima de uma árvore, que tinha um macaco que ia com ele a onde ele ia. E tinham, cada um, seus nomes, uma casinha e um amor. Até mesmo a sereia. E o macaco.

A mulher de branco andava seu ritual na areia beira-mar quando o velho marujo de bigode de leão marinho avistou a praia da ilha até então desconhecida. Como ainda anoitecia não se sabia se ela era gente, sereia, ou boto. Só o menino, mas ninguém pôde lhe perguntar porque quando ele viu que vinha um monte de gente saída do barco desapareceu pra nunca mais.

E o macaco?


[é assim que se perde o fio da própria história.]