quarta-feira, janeiro 16, 2013

Venta frio em Barcelona. A Barcelona sempre hi fa bon temps, dizem aqui. Verdade. Até o vento frio de inverno é bonito, parece de outono, faz carnaval nas folhas secas, nas folhas amarelas, nas folhas vermelhas, nas folhas verdes, as pessoas continuam nas calçadas, mesmo sob confetes, mesmo sob a poluição, sob uma nuvem de poeira, continuam nas calçadas e comem a comida manchada pelo pó. São frios os catalães, dizem os andaluzes. Verdade. Conheço poucos espanhóis, mas me dei muito melhor com os galegos do que com catalães. Vai ver é porque a morriña e a saudade façam um par único no mundo, ou talvez seja porque o catalão mais legal que eu tenha conhecido me interceptou no meio da Rambla com uma conversa estranha de cartas numa noite estranha e de ventania. Ou talvez porque eu ainda não os entenda. Venho de uma cidade neurótica na costa nordeste do Brasil, uma cidade onde jamais alguém se deixaria estas à ventania e comeria com pó. Venta frio em Barcelona, quando isso acontece as árvores cantam. São plátanos e moram na minha janela à altura do meu terceiro andar que é na verdade quarto, sem elevador e sem calefação, sem paredes nem portas nem janelas. Moro na casa muito engraçada, e ainda assim, é a minha casa ideal. Porque está em Barcelona, uma cidade onde as pessoas comem baixo a ventania ao frio e tomam cerveja fria na calçada no inverno, que eu ainda não sei nem o que é, porque a Barcelona sempre hi fa bon temps. E se me enterneço, é porque fui há pouco saudada por um pedaço de abacaxi esquecido em um copo tipo take away no banco da estação do Liceu, e era como se me dissesse "me leva pra casa", eu vim do mercado Sant Josep, tem um vitral lindo lá, é aí em cima, a loura inglesa que me comprou esqueceu de me comer, são todos distraídos esses que estão de passagem, "me leva pra casa", dessa vez fui eu. E eu não podia, ou arrumei uma desculpa qualquer para não ir ao Sant Josep imediatamente, calei o ouvido ao abacaxi e fui ao chinês da Paral·lel. Precisava de um esmalte vermelho e algo para envolver o meu pescoço, quando venta em Barcelona faz muito frio.

terça-feira, janeiro 08, 2013

Para nunca parar.

Sempre fui de ir, mas de uns anos para cá apareceram umas bolsas escuras embaixo dos meus olhos e tenho evitado espelhos em dias de muito sol. Quase nunca você vê, mas essas bochechas não são sobras do que comi e não deveria ter comido, não é isso e você não sabe, mas é falta de um sono bom daqueles de contar ovelhas. Eu nunca duvidei que poderia ser como qualquer moça daquelas que aparecem nas revistas, mas hoje tenho que admitir que aquilo tudo não é apenas resultado de uma força de vontade cósmica, aos 31 os peitos, as coxas, o baixo dos braços, te ensinam mais sobre vontade do que qualquer livro cuja capa traga uma montanha zen e títulos gravados em Hot Stamping. E talvez a verdade seja que quando você não bate em minha porta, nada disso existe, os espelhos, as bochechas, o baixo dos braços, meus cabelos sadios, minha tez ébria, meus sapatos baixos me vão bem, obrigada, bem longe dos seus olhos.