quarta-feira, outubro 08, 2008

do hábito o que habito.
nomadismo é saber que chega a hora em que a casa já não é mais casa. não, nomadismo é saber que casa nunca é casa e que não tardará a chegar uma hora em que tudo será irreconhecível, teto, piso, sacada, em que tudo fará silêncio tão profundo dentro da casa que esta será além propriedade, excederá função, aquém coisa minimamente sua, sem seu tato e cheiro, sem qualquer rastro; ou parte de uma teia tão emaranhada de todos os artifícios, profusa de milagres e esferas, labirinto de palavras pontiagudas, mornas, flácidas, latejantes; e, nessa hora, é hora de pegar novamente a sacola, como todas as outras vezes, todas as vezes que se pega a sacola com sempre menos coisas que se parecem a si, a nós, sempre menos, é isso que é o tempo, sempre menos, e é isso que é a memória, cada vez mais espaços em branco e felizes os que pensam que são espaços por preencher; a sacola, eu dizia, essa das poucas coisas, cabe menos que um de nossos olhos, menos que metade de um de nossos olhos partida cada vez em mais partes, cabe quase nada, nem da casa, nem de coisa nenhuma; essa sacola passa-se a corda, despeja-se sobre o ombro, finge-se que desiste e que não há história alguma que fizesse mancha vermelha no dorso que a carrega, e com ela em si põe-se porta afora, joga-se do alto do monte mais alto dos mais altos de todos os montes, do mundo, põe-se sem asa no mundo porque é hora de ir embora outra vez.

terça-feira, outubro 07, 2008

l'ordre
- Laissez!

feliz aquele que sabe a hora de deixar, feliz quem sabe a hora de partir.

segunda-feira, outubro 06, 2008

sons, palavras, são navalhas, e eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém. mas não se preocupe, meu amigo, com os horrores que eu lhe digo, isto é somente uma canção, a vida realmente é diferente, quer dizer; a vida é muito pior.

sexta-feira, outubro 03, 2008

escondam-se os bons




quarta-feira, outubro 01, 2008

A palavra anda descuidada. Disse ele que foi homem. Que antes, quando ela era de Deus, ela continha verdade. Mas verdade é uma coisa estranha entre os homens, é como amor, cuidado, necessidade, responsabilidade e muitas outras coisas que, se a gente olhar bem, até mesmo quando ditas são tão imprecisas quanto quando são sentidas. A palavra, disse ele, perdeu o peso e a gravidade, e penso então o que mais ela perdeu, e se é mesmo perda, se algum dia existiu. Existir também é algo duvidoso, porque o dentro da gente é um abismo maior que o universo, e a gente é capaz ainda assim de olhar mais pro outro que pra si mesmo, de ver mais em alguém que em si, de desentender mais do outro do que a si. A gente é mesmo uma coisa que não deveria ter acontecido. A gente é um problema. Mas a gente é grandioso, porque sabe que há um problema. Saber também é algo muito esquisito, mas fico pensando o que não é. Acho que a única coisa que faz sentido é o silêncio, é olhar algumas coisas e calar, e deixar, e largar, e desfazer, e esperar, e continuar fazendo o que se pode, não muito o que se deve, porque só haveria dever se fossem claras a verdade e a existência. O que existe é o lugar, um lugar, e qual lugar a gente quer pra gente.



É tudo um sonho, uma farsa, uma idéia, autor, ator e platéia.
Espero que o pano caia
pra sair batendo palmas
ou romper na maior vaia;
ou dizer muito ao contrário:
que espetáculo tão frouxo
, nem merece comentário!