sexta-feira, maio 30, 2003

Sabe, não dá mais tempo. É sempre assim, com todas as coisas. Pior é que eu já sei. Não dá mais tempo de muitas coisas. E todas estão bem juntinhas, pregadas. E a cara é a mesma. Tudo bem, eu deixo. É o que eu digo sempre. É o que eu penso? Eu não pensava nada antes de dizer. Depois de dito, virou pensamento. Eu deixo porque não vai sair do lugar que está. O canto já está assegurado e não pesa levar. Não sei o que é isso, não me pergunte, eu tenho esse lance de ter segredos só meus. E eu vou cuidar. Mesmo não dando tempo. Eu vou cuidar porque só sei se for assim. Mesmo que cuide em segredo. E esse negócio de tempo é engraçado. Dá vontade de cantar pra ele, quem tem medo do lobo mau? Lobo mau? Lobo mau? Mas se a gente canta ele fica lá com aquela cara esquisita, faz que nem ouve, quando muito, um muxoxinho com a boca, assim, sabe, de desprezo meio forçado, e continua entrando. Ainda dizem que ele é um cara legal que resolve tudo. Sei não, hein! E digo pra ele que sou eu que tomo conta. Que ele deixe que eu cuido do que é meu. E quem disse que era seu? E diz que vai levar embora. Eu digo que escondo num lugar bem fundo, bem escuro e complicado de chegar. Ele diz que não precisa nem saber do caminho, que leva embora, que é sempre assim, que as coisas acabam não ficando guardadas muito tempo. Mas eu digo que quero. Ele diz: vamos ver. E agora, um cheiro bom no cabelo que sei seria muito bem recebido. Sensação de perda estranha. Mas como é que se perde algo assim? Como não saber onde deixou? Será que algum dia tinha mesmo guardado no bolso? Será que o bolso tava furado? Será que caberia no bolso? Será que muda assim a signifcação? E o olhinho doente pede tempo, não agüenta mais. Mesmo que soubesse que aquilo tinha um tempo, e isso eu sabia mais que tudo, o olho não acostuma. Nem as mãos, nem os pés. E recorro aos antigos meios. Será que ainda faço isso? Sei lá. Mas sei que o tempo não está para brincadeira, que o tempo está de cara dura pra mim. O tempo da delicadeza passou voando que não deu nem tempo. De repente parece que até o satélite telecomunicacional tá de brincadeira comigo. É nao. É ele mesmo, que não atende. Mas eu não já disse que eu deixo? E que depois de dito, virou pensamento? Então tenho que deixar. Aliás, não tenho que deixar nada. Não depende do meu deixar. Não depende de nada. Só quero é que o tempo chato não me leve embora o que eu quero ter guardado. Ai, se ele leva, não sei não! E sei que entristeci, quando li na agenda, 19 de maio, que diálogo manter com um tempo que se evapora aos nossos pés sem deixar rastros ou marcas? Evaporar-se também?

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