quarta-feira, outubro 01, 2003

E nesses dias fazer o suco tem se tornado um ritual. Primeiro vai na estante e pega o espremedor de frutas, põe em cima da pia, perto da televisão, que está sempre desligada, liga-o na tomada mais de cima. Tem 3, uma, a de baixo, sempre está plugada a televisão, a outra, do meio, o ozonizador. Depois vai na geladeira, tira o saco das laranjas, leva-o à pia. Acomoda o saco no espaço que tem entre a cuba e a parede, embaixo da torneira, abre o saco e analisa laranja por laranja, a cor e a lisura da casca. Escolhe não as melhores, mas as mais simpáticas. Não tem erro, são sempre doces, apesar de a mãe dizer que essas sempre são as de casca mais lisa. Escolhe uma a uma e vai enfileirando, por ordem de chegada, do espremedor para o fim da pedra de granito. Sempre 4. Puxa o lixeirinho de pia, o mesmo desde que moravam sem a bia, desde que chegaram naquele edifício, para dentro da pia, entre as laranjas selecionadas e o saco com as outras laranjas. Vai na gaveta, pega a faca do cabo com a forma dos dedinhos, são as mais amoladas, e corta a primeira laranja. Examina o corte, retira as sementes, para que não congestione logo o aparelho, uma a uma, preferindo quando elas estão partidas ao meio, metade em uma banda da laranja, metade em outra banda, gosta de ver a separação delas, enquanto uma está no lixeiro, a outra está na fila, esperando que se esprema o todo o sumo da primeira banda, para que elas possam unir-se novamente. Sempre fica imaginando que elas sofrem a separação. E o processo vai se repetindo, e, a partir da segunda, o que lhe interessa mais é quando o bagaço que está na peneirinha enxarca e seca e cresce; enxarca e seca e crese; e soma mais suco dentro da jarra, aos pingos. E olha hipnotizada. Enquanto o suco vai ficando pronto, os nervos vão se acostumando com o espaço, com os olhares, com o desconforto, com as vozes, com os desejos. E só hoje entendeu por que faz suco toda noite.

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