quinta-feira, junho 17, 2004

E que me sobe às faces e me faz corar
E que me aperta o peito e me faz confessar
E que nem é direito ninguém recusar
O que não tem receita
O que não tem governo
O que não tem juízo



E pouca gente sabe (aliás, provavelmente ninguém) porquê que isso começou. Porque este espaço passou a existir pra mim. E porque eu insisto em fazer com que ele continue, mesmo quando se faz velho, ultrapassado, sem sentido. E ainda lembro muito bem do aperto no peito que eu tinha naquele dia. Dos meus pés descalços na sala fria de passagem. E das palavras que iam saindo aos tropeços (como ainda saem) e deus sabe em quê elas tropeçavam. Hoje muda pouca coisa. A sala que é menos fria e um pouco mais minha. Chinelos nos pés. Aperto outro no peito. Este da sensação de ter visto o filme inteiro alguma vez, agora é só relembrança. Sensação outra que é a de estar só assitindo o filme sem participar dele - quando deveria, e muito - e que pensando bem, é meio parte da primeira. Filme já feito é feito pra ser assistido, não dá mais pra entrar na trama. Mas isso é daquelas coisas que a gente vai fazendo e nem sabe que faz assim, quando vê já era. Pois o filme das coisas que não acontecem, das coisas que eu rejeito quando quero, dos tempos perdidos, do mundo dando voltas loucamente e eu na inércia da vida, vendo todas as outras vidas girando loucamente com o mundo, acompanhando, e só a minha, abobalhada, estancada. Muito em parte por mim mesma, e muito em parte por causa de muita coisa também. Como se vê o aperto no peito é presente, mas outro (nem tanto). Aquele aperto não tem mais o que se dizer. Aquele aperto se tornou estranho. Se tornou filme, passando 24 horas na minha telinha. E eu? Espectadora de um certo filme obscuro e cada dia um pouco mais. Banzo batendo de monte. Eu sem saber se ainda cabe essa fala no tal espetáculo. Eu tentando encontrar a casa mais adequada. Passam todas na minha janela e eu finjo que não as vejo. Elas acenam, soltam rojões, dão piruetas e vão embora. Ora, quem não iria? Eu lânguida debruçada na janela, esnobe, de amarelo, fazendo beiço enquanto elas passam lindas. E quando se vão, volto vermelha ao quarto, quente, confusa e desesperada, cansada até a alma de fingir que não quero casa nenhuma agora, que não é a hora, ou que não é o isso, ou que é o medo, ou que. Quando vejo passou a temporada de caça à casa adequada e não me decidi por nenhuma. E elas voltam voando para o sul, lindas, como passaram certa vez embaixo da minha janela.

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