terça-feira, maio 27, 2008

Daquele ano pra cá - e já vai fazer um ano - as coisas mudaram. A comemoração deixou de ser algo apenas bom e passou a assumir condição ritualística. Graça e prece. O fogão virou brinquedo e o fogo um amigo dedicado. Os pratos quase teóricos da verdade: justos, bons e belos, em igual medida de intenção e resultado. Lindos e ligeiros como uma francesa nas ruas de Paris. E tem-se ampliado a largos passos as técnicas de fotografar os alimentos do dia. Última parte antes do encerramento do rito.

Os pesos vêm sem culpa, chegam e se instalam, como sultões em orgias gastronômicas; vêm por prazer e felicidade, embora seja negociada sua permanência nos dias futuros. Em breve serão apresentados a uma avenida sinuosa e arborizada, e espera-se que gostem mais de lá que da casa nova.

Neste ano há também casa nova. E ela tem 3 quartos com armários, sendo uma suíte com varanda, banho social, duas salas, cozinha com armários, área de serviço e dependência completa de empregada - que vai virar gabinete de estudos com banheiro, porque o nome parece muito ingrato. Nesta casa morarão três pessoas que irão se aprender e ficar amigas. E isso se sabe como já se sabia a casa antes mesmo da possibilidade dela. E será um absurdo de filmes, música e livros bons.

Este ano inaugurou um coração cansado e comedido, mas cheio de esperança e boa vontade. Um coração apaixonado por literatura e liberdade, mais feliz que o que lembrava ter sido alguma outra vez. Reluzente e vitorioso, pronto para quase tudo, e já sabendo - e tem isso como uma enorme vantagem - que coração é inauguração sempre. Acontece de ser, no máximo início e meio. Coração nunca (se) encerra.

E este ano talvez de tudo o que há para se aprender, se aprenda do silêncio o que há de necessário. Talvez ainda se contemple, se peça, se tente, se mude, se assuste, se mova, se disbarate, se aflija, se ame, se morra, se justifique. Talvez a graça se perca nas montanhas ou se mude no verão. Talvez Penélope termine a colcha antes que Ulisses retorne, e já cansada, monte ela mesma a cavalo e reescreva uma nova história surpreendente. Talvez os que existem e não têm consciência continuem assim, mas os que têm apenas consciência passem a existir plenamente e joguem xadrez não mais consigo mesmos, fritem ovo e escutem uma balada no chuveiro para desanuviar um dia tenso. Talvez o medo se dissipe como o suor de um rosto exposto ao ventilador.

Um comentário:

Luana Cavalcanti disse...

PQP que lindo!

poim! uma lágrima.