domingo, julho 27, 2008

álbum de viagem

revelou-lhe um sentimento cabisbaixo, uma paisagem deslumbrante de cartão postal. era como o degelo que tem adoecido o mundo, um escorrimento branco denunciando muito azul e verde, azul e verde demais, e aquele amarelo sem fogo pairando em cima, presença luminosa ainda começando a arder.

a janela veloz mostrava uma montanha pedregosa, verde lodo e cáqui, e aquelas nuvens como algodão repuxado, meio de asperezas e sem densidade, e a luz desta vez desbotada, incomum, que naquele domingo se fazia. guardou a imagem para mostrar depois, e a de mais algumas coisas que neles sempre estavam entre a memória e a voz.

deslocado, o delicado fio dos acontecimentos, regência voluntariosa, é regra de silêncio. silêncio é branco, o branco que faz entre a montanha e a praia, mas também é amarelo desbotado, ou cinza como a fraca camada poeirenta que tem cobrido o sertão por esses dias. o sertão também é, ele mesmo, um silêncio, duro e seco, e às vezes vazio. talvez porque sejam, em certa medida, sertão e silêncio, terreno sem dono.


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se andasse seis quadras agora ia dar no mar, numa calçada confusa e fervilhante, comeria pipoca, tomaria água de coco e, se a disposição ajudasse a chegar a outra extremidade, comeria camarão baratinho. poderia também ficar comendo crepe suíço ou acarajé vendo os caras jogarem vôlei. poderia dar uma ligação, comer um sushi, sentir a brisa morna desarrumando o cabelo todo. poderia comprar um brinco ou uma pulseira ou um colar de sementes ou uma camisa de renda ou um apito que imita um gato ou uma bóia do bob esponja ou de um jacaré ou mesmo nada disso. poderia encher uma cesta de trufas azuis. poderia dormir cedo e de manhã visitar a fortaleza de nossa senhora da assunção. poderia estar na afobação, sem dormir, correndo pra aproveitar todo o mínimo tempo. mas já não tem mais pressa.