terça-feira, março 24, 2009

muito cedo. pela segunda vez, mais quatro números. não me é pertimida a recepção:

É coleta?
não, é que tenho uma guia
Pode subir.

ele abre a porta, eu ainda pensava que deveria ter chegado há trinta, ou não ter saído de casa. o andar vazio era um agouro ensurdecedor.

era jovem e tinha os olhos azuis. parecia um colega do curso de francês, Bruno, e eu deveria parecer-lhe a alguém, senão não me olharia em terços.

a urgência opressora do centro da cidade se confundia com um novo de mim, exigindo que eu me fizesse cabisbaixa, que andasse para frente, que lavasse as mãos obsessivamente, a palavra dele erguendo andares na cabeça, eu arremessada ao porão, atrapalhada, asfixiada, molhada, ruidosa, como o centro da cidade em chuva ao meio dia.

Sente-se. Você precisa manter os olhos abertos, fixos e abertos, não dura mais que um toque.

não pude.

Não dói. Você só precisa mantê-los abertos até o final. Vou tocar de leve e você não vai nem sentir.

pisquei. uma lágrima escorreu do olho esquerdo, mas não sei bem porque.

Não se preocupe, só vamos tentar mais uma vez.

lembrei do centro da cidade, das pessoas obstinadas, dos casais nas praças, dos que não questionam seus sonhos, daquela festa africana, do passado distante quando as coisas eram bem mais simples, do ardor em meus olhos que não iria passar até que eu concedesse, de uma vez por todas, aquele toque mínimo e indolor.

de volta à mesa, de caneta em punho, perguntou de onde eu vinha e minha idade. entregou-me escrito:
Olhos calmos, córneas transparentes, pupilas reativas.

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