sexta-feira, março 20, 2009

Se chamava Pacífico e era o menor de todos os oceanos. Tocava dois ou três países e não ligava continentes. Não se destinou a obstinações humanas, ao tráfico obreiro, ao saque e estupro pirata. Tão pequenino; não tinha início nem fim, pois a nenhum lugar levava; era o principal destino dos banhistas. Abria-se para as crianças, para os animais e esperava semanas inteiras a lua vir banhar-se, e, quando a visita se fazia por completo dentro dele, muito alta madrugada, abundavam espumas nas ondas a ponto de encher o céu de bolhas de sal. Na costa de Pacífico costumava-se atribuir a essas bolhas, a manifestação de sua alegria, e dizia-se que quem entrasse no mar morno daquelas noites, dormiria o mais tranquilo dos sonos.

Pacífico, como os animais e as crianças, não tinha um programa. Ia-se e voltava-se, pulsando na areia, como bateria seu coração, se o tivesse. Desviava tempestades, enviava brisas pela manhã e as retinha durante a noite, orgulhoso de sua brincadeira de maresia, tinha apenas o tempo de viver. E, como se comporta o coração das crianças e dos animais, nada o detinha exatamente, apenas a visão daquilo do que mais gostava: o momento maravilhoso em que a lua despontava no céu - e vinha caindo lentamente em sua direção, aumentando sua felicidade em existir tão pequeno, pois tinha certeza, que se medisse um tanto mais, poderia perdê-la de vista.

Um dia a amiga não veio. Pacífico não se desesperou, podia ser que estivesse escondida por detrás das nuvens passageiras, embora pudesse distinguir perfeitamente marte, vênus e umas três estrelas já há muito mortas. Naquela manhã o sol despertou constrangido. Evitava olhar Pacífico que, àquelas alturas, mais parecia um lago. Sem saber, as crianças festejavam a completa inatividade do pequeno oceano. Entravam sem medo onde deveria ser cautela e mistério em qualquer um que fosse autoritário e sombrio. Previam, os pequeninos, que havia sido abolido definitivamente o limite que os separavam do horizonte. Enquanto Pacífico murchava, derramava, as crianças cresciam, a princípio somente as mais corajosas, depois, um bando delas.

A medida em que o tempo passava, a lua não vinha, Pacífico entrava mais na areia solta, matando-se aos poucos para diluir sua tristeza, e as crianças avançavam poderosas, seduzidas como marinheiros. Pacífico resistia e morria com a esperança de que algo se revelasse. Onde antes as crianças brincavam, hoje aquelas mesmas já haviam feito casas, ginásios, escolas, bares e outras crianças que, como mandava a nova tradição do lugar, também avançavam obstinadas o oceano, agora - desconfiava-se - até esquecidas do objetivo que teria impulsionado os primeiros desbravadores. Aparentemente, jamais souberam que naquele pequeno braço de mar a lua costumava desaparecer morna e nunca haviam presenciado uma bolha de sal.

Desde aquela noite a lua jamais voltou. O desparecimento de Pacífico não foi exatamente percebido, pois a cada dia significava uma coisa diferente para os moradores do que antes seria sua costa. Umas vezes era mais espaço para as necessárias construções, outras, aparente solução de problemas náuticos, ampliação de centros de convenções, plantação de arroz, parques, avenidas, contribuições científicas. Sua atitude não foi avaliada, como não se deve avaliar o compotamento dos pequeninos. Foi compreendida com tolerância - e satisfação - por aquele povo que já não se banhava mais em nenhum mar.

Depois que Pacífico desapareceu, processo que por sorte levou muitos anos de resigação - visto que ele jamais exigia nada, preferindo retirar-se a lidar com assaltos violentos a seu espaço, à sua dor e saudade; com a decepção em ver que aquele pequeninos, tão pequenos quanto ele, crescendo não à medida, mas por consequência de seu desaparecimento; e com a dor profunda e sem nome que, se solucionada, inundaria toda aquela nova cidade, bastando apenas que a lua voltasse - alguém mais antigo e mais atento teria percebido que por mais que se entrasse naquele mar, não havia horizonte a chegar. Aquele era um oceano tão pequenino que não ligava nenhum lugar a lugar algum, e era por isso que não se prestava aos ataques, às expedições, aos cruzeiros. Ele existia apenas para receber a lua, de quando em quando, uma vez por mês.

Um comentário:

Luana Cavalcanti disse...

vou ler ainda... vou ler com calma. ainda