sexta-feira, abril 17, 2009

- Ora, vai mulher! Vou dizer o quanto te amo.

Eu me chamava Carmelita e tinha umas veias azuis meio saltadas na perna esquerda. De vez em quando eu supunha um amor, mas não passava da sexta-feira. Tinha em casa muito bem guardados três colares de contas e um potinho de pó de arroz Lady. Duas pedras gêmeas que havia me dado uma cigana na feira, estas eu carregava comigo, uma no pescoço, outra no sutiã. Depois me tornei Rosa, como as turmalinas.

Eu estava certa em supor amores. Andava descompassada puxando a pena esquerda, mas aquele nêgo que subia a ladeira achava que eu dançava. Me pegou num tombo, uma mão foi no colar e enrubresci como se tivesse um rouge Carmin.

Uma noite cheguei e tinha me pintado o barracão todo de verde e rosa. Então eu era sua bandeira verdadeira, a glória nacional, sua aquarela brasileira. Quando eu saía pedia tamborins de grande gala, para que eu passasse, de sandália e vestido de malha, no meio daqueles bambas. E eu desfilava pro meu mulato forte, cambaleando, era só o que eu queria.

Aquele ano minha escola estava tão bonita. Ensaiei meu samba o ano inteiro, gastei tudo em fantasia, ele dormiu todo o dia. Com muitos brilhos me vesti, depois me pintei. Eu saía para a avenida, ele vestia o bicolor já dizendo que eu era sua nega, sua musa, amada e idolatrada e que jurava por deus, jogava fora o chinelo, o baralho e a navalha e ia trabalhar. Era tudo o que eu queria ver.

Carnaval, desengano, deixei a dor em casa me esperando e brinquei. Precisei voltar mais cedo. Meu moreno fez bobagem, maltratou meu pobre coração, aproveitou a minha ausência e botou mulher sambando no meu barracão. Deixou que ela passeasse na favela com meu peignoir, minha sandália de veludo deu à ela para sapatear. Esse moreno me deixou sonhando, quarta-feira sempre desce o pano. Amaldiçoei o dia em que lhe conheci.

Hoje a perna anda pelas tabelas, não dança, desce o morro manca, e do tombo minha palma encontra o chão. Sei que o barracão dela anda todo azul e branco e que ela é sua diamantina presença, gota de luz sobre a relva, sua estrela guia, seu brilhante bem-querer.

- Vou abrir a porta para você entrar, mas não demore, que a outra pode lhe encontrar.

2 comentários:

natércia pontes disse...

mirella mancoéba
tu escreve demais.
saudades matadas em breve.

Luana Cavalcanti disse...

que lindo!