terça-feira, junho 02, 2009

Foi o seu prefácio que meu "deu o toque", professor. "Goza sem possuir, possui sem gozar". Já o tinha lido mais de dez vezes, mas naquele dia em especial, era o anoitecer mais estranho de todas as sextas-feiras. Atrás de mim, algumas pessoas tentavam afinar suas flautas a seus dedos, deviam ser jovens e estavam dispostas. Ao meu lado, um rapaz talvez tão solitário quanto eu tentava enviar uma mensagem a alguém, o que me impedia de esquivar à memória de que havia também aqueles a quem deveria eu ligar. À minha frente, duas moças desenhavam sentadas na grama. Só saíram de lá quando uma nuvem baixa cobriu o pôr-do-sol e a luz se fez tão fraca que nada mais ultrajava nitidez: continuar seria um erro, uma perda de tempo, e partiram. Fiquei eu a lembrar das outras vezes que ali estive, tão diversas entre si e tão absolutamente opostas ao que trago agora, que neste mesmo mês do ano anterior não poderia sequer supor. Agora estávamos em constrangida evidência, eu e a noite, fecho o livro aberto entre as coxas, visto o casaco e retardo o caminho de volta para casa. Sinto uma fisgada no ombro esquerdo, salva por uma angina, penso, mas era apenas uma formiga.


Vai-te para longe de mim, hora.
O bater de tuas asas me excrucia.
Mas de minha boca, que fazer agora?
e da minha noite? e do meu dia?

Eu não tenho amada nem abrigo,
sequer um lugar para viver eu tenho.
Todas as coisas em que me empenho
tornam-se opulentas, acabam comigo.

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