sábado, novembro 28, 2009

As duas me olhavam, uma sentada na poltrona gasta pelas unhas de Raul, a outra na cadeira gasta desde a loja, tomávamos café e Hilda me reclamava vinho do Porto. Eu era incapaz de negar-lhe razão, mas em minha casa mal havia um conhaque Dreher que usamos ano passado para adoçar o frio. A outra, que jamais irei lembrar o nome, tinha uma cabeleira anelada, olhos puxados e a cada ano de seu tempo próprio correspondiam dois. É de um vagar que nos incomoda. Esperavam de mim uma explicação, um motivo, uma justificativa. Sinto muito, foi o que pude dizer, sou apenas isso. Percebo Hilda, além de irritada com minha pouca oferta, a decepção que engole, amarga como meu café. Percebo minha outra amiga, lenta e gorda, duas vezes meu passado, demorando para dizer que já sabia. Mereci três baforadas de Hilda antes de dizer que eu era uma idiota e que iria para casa, que, aliás, havia sido por causa de gente como eu que havia perdido o gosto pela rua. A outra riu um riso esticado, pendendo a cabeça para trás - muitas vezes esse gesto, apesar de parecer uma resposta afirmativa, era um jeito vagaroso de dizer sem dizer que a outra pessoa não passava de uma tola -, limitou-se a dizer "êh, êh" e achei que talvez se chamasse Irene. Ouvi duas xícaras tilintando ao mesmo tempo nos píres e quando isso acontecia era a hora de irem embora. Dessa vez não fui deixá-las na porta, disse que fossem, que sabiam o caminho. Hilda partiu na frente prometendo não voltar mais. Irene levou quatro minutos para andar os dois metros que a distanciavam da porta e esqueceu-se de se despedir.

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