quarta-feira, julho 02, 2003

A partir daquele dia ele não tinha mais o rosto quadrado e comum. O cabelo curto bem cortado, olhos bem visíveis, boca exposta. Nariz ele nem tinha. Tinha ombros largos, mas nem tinha tanto assim. Nem sobrancelhas. E pensando agora, nem pernas, mãos, orelhas, ritmo de respiração e de piscada de olhos, unhas, cílios, maçã do rosto, hálito. Não especificamente. Tinha voz, não sei como e não sei de onde, mas tinha, uma voz que enchia o branco todo. E sotaque. E tinha uma puxada de ar para dentro antes de falar, uma fala devagar, mansa. A puxada não, essa é aperreada, como se a fala fosse fugir antes de ele começar a falar. A partir daquele dia se os olhos não fossem aqueles, não havia mais o olhar também. Um olhar de não sei e de não há mais nada além daqui. De que o que existe é o que está acontecendo agora e aqui nesse lugar. Depois daquele dia as coisas continuariam as mesmas, só que agora ele está estranhamente mais desconhecido. Irreconhecível, quase.

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