terça-feira, outubro 18, 2005

Um Gosto de Sol

Se eu soubesse tocar meu violão, que mora ali, solitário, enncostado na minha estante, hoje escolheria uma melodia melancólica, triste.

Pegaria de leve, sem arrasto, sentaria na esquina da minha cama, em cima da colcha branca de flores coloridas, me debruçaria sobre ele, se eu tivesse intimidade com as notas, se eu tivesse autonomia para descobrí-las, desenterrá-las, eu comporia um pequeno verso, meio verde, solitário, enevoado. "Alguém sorriu de passagem em uma cidade estrangeira", uma frase musical como esta, que a literária me permite escrever.

Lenta, repetitiva, invisível. Eu, sem tempo, estenderia meu corpo, meus braços, meus dedos, às cordas, à madeira, ao oco, e seríamos eu e ele uma coisa só. O som que eu iria fazer seria uma despretensiosa respiração. Tão existência quanto a minha, que só se pode sentir quando acontece. Fim da respiração, fim da música, fim das existências. Tudo uma mesma coisa.

E nem haveria mais imagem, pois eu estaria de olhos fechados e música não é ficção, fala diretamente com o que não tem nome. Apenas a sensação do vento na pele, da luz atravessando as pálpebras cerradas, e uma espécie de matéria do som que pensamos, ou quase podemos pensar, poder, ou quase poder, pegar com as mãos. Eu diluída em mim mesma.

O que iria existir não estaria lá. O som se constituiria feito teia, de linhas e buracos e preenchimentos e vazios, e seriam várias teias, não necessariamente sistematizadas, se interpondo, sobrepondo e intrelaçando, e teriam todas as cores e texturas possíveis e seriam dia e seriam noite, quente e frias, brandas e bravas, doces e ríspidas, vivas e moribundas, latentes e pulsantes, de sombra e de plenitude, de compasso e descompasso, ou de mesmo nada disso. E eu poderia talvez tornar perceptível o que acontece, surge e desaparece, fugidio, entre o mundo e a minha alma.

Lá da Lua, pra Ela.

5 comentários:

Anônimo disse...

aaaaaaameeeei essa parte:
" E eu poderia talvez tornar perceptível o que acontece, surge e desaparece, fugidio, entre o mundo e a minha alma."
mto massa!!
xerim gata!

Anônimo disse...

coisa mais linda esse texto. eu vou até repetir aqui o que eu já disse mil vezes, tu escreve muito lindo! beijo

Caio M. Ribeiro disse...

"fala diretamente com o que não tem nome."

Mirella é Mirella.

:*, baby.

Anônimo disse...

gosto de sol é o título mais lindo.
tu é minha escritora preferisa, tu mais meia duzia de damas desse ceará, que tu bem conhece. rs...amo

Anônimo disse...

Muito lindo texto, lellinha.