quarta-feira, setembro 13, 2006

Mientras olvido

Se te perdesse agora, iria me sentir no sótão de uma casa. Minhas caixas todas são de pertences antigos, de uma vida que não existe mais. Eu me sentaria em uma cadeira de balanço e esperaria. E o dia inteiro seria daquela hora do entardecer quando a luz já rareia, quando os contornos se apresentam mofados e as plantas já cheiram um pouco seco.

Não haveria mais movimento. A vida, agora, para dentro, obrigaria a conhecer a nova coisa que havia me tornado, os novos percursos que passaria a fazer sobre a terra e a encarar um espelho furioso. Fecharia as cortinas e só então perceberia o cheiro boloso da naftalina.

Se passasse pela porta e não desse com a vista mais nenhuma vez para trás eu lhe passaria a chave. Tornaria o olho para as mãos ressequidas, correria com a unha ao dente. Aposentaria o vestido plissado, as contas do colar que esperam conserto na caixinha de prata descascada.

Abriria lentamente a tampa da vitrola, escolheria o melhor Gardel, deixaria o agudo ferir sem piedade meu peito já tão vermelho. E a aflição embalsamada tomaria teu lugar na casa.

3 comentários:

Anônimo disse...

"Fumar es un placer / genial, sensual" poderia tocar.

Suyá Lóssio disse...

que doido.

me lembrou "as horas", alguma coisa de Virgínia.

Caio M. Ribeiro disse...

A melhor e pior coisa que já me aconteceu.

O que é 'mientras'?