quinta-feira, novembro 08, 2018

Caatinga
Quando nasci sem entender porque
no mangue do mar do bioma mais originalmente desértico do país
chorei um pouco só, ainda que torto, porque logo vi um passarinho cantando em minha janela
e pensei que nesse mundo que eu acabava de chegar havia asas e um amarelo cor de sol - era um canarinho - que não feria
e um verde que esverdeava em algum lugar, só não sabia ainda onde, hoje eu sei
Mas eu não entendia nada da sobrevivência do homem ao deserto
Como esse homem se esverdeia?
Como esse homem não se fere?
Como sonha sem voar?
Há uma condição de adaptação que existe em diferenciar-se e uma condição de inadaptação que justamente consiste em identificar-se.
Explico
O homem do deserto não sobrevive ao deserto, vive o deserto, porque é diferente dele, porque ele se entende como homem que supera o deserto.
Eu achava que não me identificava com o deserto, hoje sei que não me identifico com o homem
No deserto, eu sou o deserto
sou a planta tesa dura e seca que se mantém em sobrevida agreste
silenciada quase morta
sou o chão fragmentado, esfacelado, um pó de chão de superfície frágil - o interior sabe-se que não, terra adentro, eu adentro, há vida em potência, latente - o homem anda nesse chão e ele vai se desfazendo, dócil
eu sou esse chão, no deserto
eu sou o céu azul nu e desbotado, o sol ferido que fere, o pássaro do êxodo
não há diferença nenhuma entre mim e o verde único do juazeiro na planície sem contar ao redor de si com vida aparente e só hoje entendo
O deserto não supera o deserto.

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